Tuesday, July 17, 2007

CONEY ISLAND

Nunca o kitsch da Feira Popular de Lisboa me fez diferença. Sempre gostei do seu ambiente popular e brejeiro, sempre gostei do cheiro a farturas e pipocas que cirandava no ar.
Em miúda já sabia que chegado o dia 28 de Junho estava aberta para mim a estação da Feira Popular. Não era o 01 de Junho, Dia Mundial da Criança, nem a passagem de ano escolar com eventual distinção que justificava a visita à feira. A minha prima Francisca fazia anos e vinha a Lisboa festejar a ocasião – havia direito a jantar fora e serão de gargalhadas e gritos nos Carrinhos de Choque, na Bailarina, no Comboio Fantasma ou no Dragão.
A Francisca ía acrescentando os anos à idade e à conta disso, de ano para ano, acompanhávamos as novidades da Feira Popular. De algodão-doce na mão (o meu tinha que ser branco), inspeccionávamos que divertimentos novos havia e o que de mais perigoso e desafiador aparecia. Púnhamo-nos à frente da novidade da feira e logo víamos se nos interessava ou não: se houvesse muitos gritos (sinceros e vindos das profundezas) comprávamos uma viagem, caso contrário passávamos ao seguinte.
Claro que os clássicos não ficavam de lado – com 11 ou 12 anos lá íamos nós competir pelo melhor carrinho de choque, com 13 ou 14 anos lá íamos nós enjoar para as “Cadeirinhas”, com 15 ou 16 anos lá íamos nós berrar para a “Montanha Russa”.
Penso que teremos parado pelos 17 anos…

Aos 29 anos voltei a uma feira popular - e sem ser a propósito dos anos da Francisca.


Entramos no metro em Manhattan. O calor húmido do Verão torna qualquer espera na estação de metro insuportável. Rogamos desesperadamente pelo ar condicionado das carruagens que hão-de chegar. Felizmente não temos tempo suficiente para ver as ratazanas que normalmente passeam nas linhas… Eis que chega o metro.
A viagem dura cerca de 45 minutos. Depois de 25 passados, o metro aparece à superfície – estamos nos arredores industriais e a transportadora dá-se ao luxo de ocupar terra que na “ilha” estaria lutada com 1700 apartamentos desenhados em altura.
As carruagens vão ficando mais vazias e as paragens estão cada vez mais despidas de publicidade e de conforto (se é que as de Manhattan têm algum).
Saímos na paragem de Coney Island.

O parque de Coney Island fica à beira de uma praia, na zona mais a Sul de Brooklyn.
Mal atravessamos a estrada em direcção ao parque apercebemo-nos de que estamos em território desclassificado dos guias turísticos glamourosos de Nova Iorque.
Não se avistam loiraças a empurrar carrinhos de bebé Maclaren, não nos cruzamos com fashion-victims e nem se sente o cheiro de águas-de-colónia francesas a arrastar-se pelo ar.
O panorama humano é composto por pessoas ligeiramente feias, imigrantes da Europa de Leste, afro-americanos, jovens suburbanos, românticos como nós e uns tantos líricos a puxar para o excêntrico. Não há lojas gourmet onde se possa comer uma sandwich de pão 7 sementes com peito de peru, rucula e mostarda Dijon com mel ou beber sumo de cranberry.
Acredito que há quem fique deprimido com este cenário…

Depressa me lembrei das minhas idas à Feira Popular de Lisboa e voltei a sentir a mesma sensação de ganância por adrenalina e medo. Depois de comprado o bilhete para uma viagem, e enquanto esperava na fila pela minha vez, apoderava-se de mim uma sensação de atracção pelo abismo. Eu gostava, e ainda gosto, de sentir o medo sabendo que, à partida, nada de mal me ía acontecer. Tratava-se pura e simplesmente de testar a minha capacidade de resistência e de querer sentir uma espécie de libertação pelos berros!
Percorri o parque com umas pipocas que salgavam intensamente a minha língua. O Filipe atrapalhava-se com um hot dog banhado em mostarda e ketchup e gozava comigo por causa da criancinha que entretanto me tornara.

A atmosfera não podia ser mais surreal e cinematográfica. Provavelmente é isso mesmo que torna Coney Island um lugar tão fascinante e encantador… O emaranhado das luzes e cores faz fronteira com a calmaria do mar e a alegria das pessoas contrasta com a decadência do sítio.
É curioso fazer a travessia pela sofisticação de Manhattan para chegar a um sítio que não pode ser mais kitsh. Em New York o que é mais fácil é darmos caras com o avant-garde e elegância e, por isso, enterneceu-me encontrar ali o oposto... E que para mais, me fez lembrar a infância.

Viajei no comboio fantasma mas se não fosse o Filipe a tocar no meu cabelo às escondidas não teria gritado um ai… Pedi um desejo na “Wonder Wheel” e achei que ía morrer duas vezes no “Cyclone”, uma montanha russa feita em madeira, das mais antigas dos Estados Unidos.
Da roda gigante dá para ver o parque e arredores. Há sobretudo divertimentos ingénuos para crianças, enfeitados com luzes psicadélicas e berrantes.
Ainda existirão os póneis e a Casa dos Espelhos em Lisboa?
Junto à praia há um passeio em madeira com barraquinhas de comes e bebes, só de junk food.
As famílias passeam-se vagarosamente e as crianças empurram os pais para bancas de goluseimas. As tabuletas das bancadas prometem sabores intensos - “Best Pizza”, “Best French Fries", “Best Shrimp & Chicken”.

Da histeria do sítio faz ainda parte a competição anual de hot dogs. Chegando o dia 4 de Julho, um fã de cachorros-quentes ganha um prémio por ter comido mais de uma dezena de pães com salchicha...
Os outdoors antigos comidos pelo sol tornam o cenário ainda mais insólito. A rematar, um cemitério de reformados autocarros amarelos das escolas americanas.
É inevitável não nos apercebermos da fotogenia do sítio e do pitoresco sociológico de Coney Island - não é que seja uma feira dos horrores mas quem o frequenta parece ter vidas atribuladas, alternativas ou suburbanas.

Apesar de toda esta fantasia deliciosa, parece que o Século XXI trouxe planos imobiliários menos sonhadores mas supostamente mais rentáveis para Coney Island. O novo proprietário do terreno fala em restaurar o esplendor de Coney Island – o plano inclui, pelo menos, um parque aquático indoor, dois hotéis e uma montanha russa que circulará por entre os prédios… Esplendor? Há suspeitas de que 2007 será o último ano de funcionamento de Coney Island.
Faz-me pena pensar que sítios invulgares e esteticamente desenquadrados dos cânones tenham que levar novas caras ou mesmo desaparecer…

O que será feito da feira Popular de Lisboa?