Friday, November 2, 2007


DE TARDE, NO CENTRAL PARK


Naquele piquenique de portugueses
Houve uma coisa simplesmente bela
E que, sem ser história universal ou portuguesa,
Pintou de lirismo a minha aguarela.

Foi quando tu, comia eu umas sandocas,
Foste colher, sem imposturas tolas,
A uma caixa azul de papel brilhante
Um anel ingénuo cravado a diamante.

Pouco depois, em cima duns penhascos,
Perguntavas-me tu, inda o Sol se via;
a pergunta que eterniza os apaixonados
- Queres casar comigo?

Mas, todo púrpuro, em forma de prenda
Do meu coração saía ritmado de vida,
Por todo o supremo encanto da merenda,
O meu amor por ti rubro de alegria!


NOTA: Semi-plágio do poema de Cesário Verde “De tarde”

Thursday, September 13, 2007


EVERYWHERE BUT AMERICA



Pois engane-se quem acha que visitar New York é visitar os Estados Unidos da América. Não. Aterrar em NY é chegar ao epicentro do Mundo, é confundir-se na Torre de Babel e é perder-se no Melting Pot mais saboroso do planeta.
Não está aqui em causa a origem do povo americano, resultado da mistura de Ingleses com Holandeses, apimentada com escravos vindos de África, resumidamente. Está sim, a existência de pequenos mundos dentro do grande mundo da mágica Maçã.
É claro que os nossos olhos estão formatados para ver a América: vemos sóbrios executivos americanos no Upper East Side, visitamos a galeria de arte que está a lançar um promissor artista americano e compramos uns ténis da nova colecção da Nike. De facto, a olho nu, vemos a orgulhosa bandeira de riscas e estrelas hasteada por toda a cidade.
Mas à medida que nos vamos embrenhando pelas ruas e bairros, começamos a ver outras bandeiras que não a americana. Apercebemo-nos, então, que ao percorrer um simples quarteirão podemos mudar de país: a Índia, a Ucrânia, o Senegal, o Japão, o Brasil ou a Coreia podem ser visitados em plena Manhattan. A Little Korea fica a um bloco de distância de Little Brazil, Little Italy acotovela Chinatown, que por sua vez começa a invadir o hispânico Lower East Side.
O fascínio pelo "Sonho Americano" continua a atrair pessoas de todo o mundo, fazendo com que se formem pequenas delegações de países, mais ou menos estruturados, onde se pode encontrar comércio nacional, visitar museus ou experimentar iguarias.
Assim, para os mais alternativos ou para quem já conheça o lado “americano” de Nova Iorque, há sempre a hipótese de viajar até lugares exóticos, sem sair da cidade.


"Little Ukraine"


















Outrora casa de nomes famosos como Astors e Vanderbuilts, algumas ruas de East Village, tornaram-se abrigo recente para imigrantes vindos da Ucrânia.
Na Little Ukraine, situada entre a Segunda e Terceira Avenidas, ao longo da 8th e 9th Street, os moradores podem comprar carne no “Meat Market”, um talho com gerência ucraniana, os turistas podem visitar o Museu Ucraniano e os aventureiros 
gastronómicos podem provar Pierogi e Blintz no restaurante “Veselka”.
A presença ucraniana em Manhattan é discreta mas sob um olhar mais atento descobrimos alguns dos seus segredos: é numa loja de artesanato e é num centro social que os ucranianos podem matar as saudades da pátria. Na “Surma, The Ukrainian Shop” podem comprar clássicos da literatura em Ucraniano e no centro social podem dançar o folclore nacional. Restaurante Veselka, 144 2nd Av.














"Little Korea "




















Apesar da grande concentração de coreanos estar em Queens, desde 1980 que comerciantes e empresários chamam “Home” à 32th Street, em Manhattan. Entre as duas zonas vivem cerca de 90.000 coreanos.
Na paisagem urbana deste bloco vemos populosos anúncios luminosos num alfabeto misterioso. Mais do que na Little Ukraine, quem por aqui passa tem a sensação de estar em Seul e não em Nova Iorque.
As caras com que nos cruzamos na rua têm todas feições orientais. Os prédios são cinzentões mas as histéricas luzes das fachadas de lojas e restaurantes tratam de dar vida a quem percorre os passeios.
Os restaurantes prometem dumplings e churrascos genuínos e as casas de karaoke prometem longas noites de cantorias desafinadas.
Por incrível que pareça, é numa pastelaria coreana que encontramos as sobremesas de frutos silvestres mais estéticos e frescos de toda a Manhattan e os biscoitos mais parecidos com as nossas “areias” portuguesas! Restaurante - Mandoo Bar 2 West 32nd St.





















"Little India"


















Estamos no bairro de Murray Hill mas se percorrermos a Lexington Av., entre a 27th St. e a 30th St. já estaremos em plena Little Índia ou Curry Hill, como algumas pessoas preferem chamar. A competição é forte entre picantes kebabs do Afeganistão e poderosos caris indianos. Na minha opinião, vence a Índia.
Ainda que a grande concentração de indianos esteja em Jackson Heights, em Queens, é inevitável chamar “Pequena índia” também a esta zona de Manhattan – o cheiro está no ar e não deixa mentir. Os aromas das especiarias invadem a rua. Porta sim, porta não, damos de caras com restaurantes que servem Naan, Masala e Tandoori. Há quem inclusivamente se recuse a viver entre aquelas ruas dado o forte cheiro que se sente, dizem alguns agentes imobiliários.
Para quem gosta de caril e de cozinhar, não é no vulgar supermercado americano que vai encontrar os ingredientes mas sim na "Kalustyan’s", uma mercearia e perdição para gourmets e apreciadores de comida do Oriente.
Não é apenas o cheiro das especiarias que cataloga o lugar de Índia. As sedas e cores das Kurtas e Sarees que calcorreiam as ruas e que adornam algumas montras também integram o cenário do bairro.
O remate é dado pela "Boolywood Corner", uma papelaria onde se pode comprar DVDs de sagas cinematográficas à indiana.
Mercearia - Kalustyan’s 123 Lexington Av.





















Volta ao mundo em Nova Iorque a continuar…

Sunday, September 9, 2007


THIS IS ALL ABOUT PLEASURE, DEAR


UM SABONETE DE LEITE DE CABRA PARA OS CAPRICHOS DA PELE















The Bathroom
94 Charles St.
http://store.inthebathroom.com/index.ht


ADORO O CORTE BLASÉ DOS VESTIDOS DE WEST VILLAGE















Sophia Eugene
37 Cornelia St.


UM PERFUME FEITO NA HORA

 Le Labo

233 Elizabeth St
www.lelabofragrances.com










ESCORRACEI O SIMPLÓRIO BOLO-DE-ARROZ ...














Magnolia Bakery
401 Bleecker St.


E.B. WHITE + CHÁ VERDE COM MENTA












Aphrodisia Herbs Store

264 Bleecker St.

http://www.aphrodisiaherbshoppe.com/


Tuesday, July 17, 2007

CONEY ISLAND

Nunca o kitsch da Feira Popular de Lisboa me fez diferença. Sempre gostei do seu ambiente popular e brejeiro, sempre gostei do cheiro a farturas e pipocas que cirandava no ar.
Em miúda já sabia que chegado o dia 28 de Junho estava aberta para mim a estação da Feira Popular. Não era o 01 de Junho, Dia Mundial da Criança, nem a passagem de ano escolar com eventual distinção que justificava a visita à feira. A minha prima Francisca fazia anos e vinha a Lisboa festejar a ocasião – havia direito a jantar fora e serão de gargalhadas e gritos nos Carrinhos de Choque, na Bailarina, no Comboio Fantasma ou no Dragão.
A Francisca ía acrescentando os anos à idade e à conta disso, de ano para ano, acompanhávamos as novidades da Feira Popular. De algodão-doce na mão (o meu tinha que ser branco), inspeccionávamos que divertimentos novos havia e o que de mais perigoso e desafiador aparecia. Púnhamo-nos à frente da novidade da feira e logo víamos se nos interessava ou não: se houvesse muitos gritos (sinceros e vindos das profundezas) comprávamos uma viagem, caso contrário passávamos ao seguinte.
Claro que os clássicos não ficavam de lado – com 11 ou 12 anos lá íamos nós competir pelo melhor carrinho de choque, com 13 ou 14 anos lá íamos nós enjoar para as “Cadeirinhas”, com 15 ou 16 anos lá íamos nós berrar para a “Montanha Russa”.
Penso que teremos parado pelos 17 anos…

Aos 29 anos voltei a uma feira popular - e sem ser a propósito dos anos da Francisca.


Entramos no metro em Manhattan. O calor húmido do Verão torna qualquer espera na estação de metro insuportável. Rogamos desesperadamente pelo ar condicionado das carruagens que hão-de chegar. Felizmente não temos tempo suficiente para ver as ratazanas que normalmente passeam nas linhas… Eis que chega o metro.
A viagem dura cerca de 45 minutos. Depois de 25 passados, o metro aparece à superfície – estamos nos arredores industriais e a transportadora dá-se ao luxo de ocupar terra que na “ilha” estaria lutada com 1700 apartamentos desenhados em altura.
As carruagens vão ficando mais vazias e as paragens estão cada vez mais despidas de publicidade e de conforto (se é que as de Manhattan têm algum).
Saímos na paragem de Coney Island.

O parque de Coney Island fica à beira de uma praia, na zona mais a Sul de Brooklyn.
Mal atravessamos a estrada em direcção ao parque apercebemo-nos de que estamos em território desclassificado dos guias turísticos glamourosos de Nova Iorque.
Não se avistam loiraças a empurrar carrinhos de bebé Maclaren, não nos cruzamos com fashion-victims e nem se sente o cheiro de águas-de-colónia francesas a arrastar-se pelo ar.
O panorama humano é composto por pessoas ligeiramente feias, imigrantes da Europa de Leste, afro-americanos, jovens suburbanos, românticos como nós e uns tantos líricos a puxar para o excêntrico. Não há lojas gourmet onde se possa comer uma sandwich de pão 7 sementes com peito de peru, rucula e mostarda Dijon com mel ou beber sumo de cranberry.
Acredito que há quem fique deprimido com este cenário…

Depressa me lembrei das minhas idas à Feira Popular de Lisboa e voltei a sentir a mesma sensação de ganância por adrenalina e medo. Depois de comprado o bilhete para uma viagem, e enquanto esperava na fila pela minha vez, apoderava-se de mim uma sensação de atracção pelo abismo. Eu gostava, e ainda gosto, de sentir o medo sabendo que, à partida, nada de mal me ía acontecer. Tratava-se pura e simplesmente de testar a minha capacidade de resistência e de querer sentir uma espécie de libertação pelos berros!
Percorri o parque com umas pipocas que salgavam intensamente a minha língua. O Filipe atrapalhava-se com um hot dog banhado em mostarda e ketchup e gozava comigo por causa da criancinha que entretanto me tornara.

A atmosfera não podia ser mais surreal e cinematográfica. Provavelmente é isso mesmo que torna Coney Island um lugar tão fascinante e encantador… O emaranhado das luzes e cores faz fronteira com a calmaria do mar e a alegria das pessoas contrasta com a decadência do sítio.
É curioso fazer a travessia pela sofisticação de Manhattan para chegar a um sítio que não pode ser mais kitsh. Em New York o que é mais fácil é darmos caras com o avant-garde e elegância e, por isso, enterneceu-me encontrar ali o oposto... E que para mais, me fez lembrar a infância.

Viajei no comboio fantasma mas se não fosse o Filipe a tocar no meu cabelo às escondidas não teria gritado um ai… Pedi um desejo na “Wonder Wheel” e achei que ía morrer duas vezes no “Cyclone”, uma montanha russa feita em madeira, das mais antigas dos Estados Unidos.
Da roda gigante dá para ver o parque e arredores. Há sobretudo divertimentos ingénuos para crianças, enfeitados com luzes psicadélicas e berrantes.
Ainda existirão os póneis e a Casa dos Espelhos em Lisboa?
Junto à praia há um passeio em madeira com barraquinhas de comes e bebes, só de junk food.
As famílias passeam-se vagarosamente e as crianças empurram os pais para bancas de goluseimas. As tabuletas das bancadas prometem sabores intensos - “Best Pizza”, “Best French Fries", “Best Shrimp & Chicken”.

Da histeria do sítio faz ainda parte a competição anual de hot dogs. Chegando o dia 4 de Julho, um fã de cachorros-quentes ganha um prémio por ter comido mais de uma dezena de pães com salchicha...
Os outdoors antigos comidos pelo sol tornam o cenário ainda mais insólito. A rematar, um cemitério de reformados autocarros amarelos das escolas americanas.
É inevitável não nos apercebermos da fotogenia do sítio e do pitoresco sociológico de Coney Island - não é que seja uma feira dos horrores mas quem o frequenta parece ter vidas atribuladas, alternativas ou suburbanas.

Apesar de toda esta fantasia deliciosa, parece que o Século XXI trouxe planos imobiliários menos sonhadores mas supostamente mais rentáveis para Coney Island. O novo proprietário do terreno fala em restaurar o esplendor de Coney Island – o plano inclui, pelo menos, um parque aquático indoor, dois hotéis e uma montanha russa que circulará por entre os prédios… Esplendor? Há suspeitas de que 2007 será o último ano de funcionamento de Coney Island.
Faz-me pena pensar que sítios invulgares e esteticamente desenquadrados dos cânones tenham que levar novas caras ou mesmo desaparecer…

O que será feito da feira Popular de Lisboa?

Tuesday, June 12, 2007


HAMPTONS

A dada altura, e por mais snobe que pareça, Nova Iorque não basta.
À chegada queremos consumir toda a energia da cidade mas a verdade é que quem nos suga o corpo, a alma e a carteira é New York. NY é uma cidade muito caprichosa…Quer o mundo inteiro concentrado em si.
A partir de Maio, começamos a sentir outros fenómenos para além do vício pela Maçã:
a pele satura com o bafo quotidiano do metro, as pernas tornam-se preguiçosas para andar quarteirões ao sabor dos já muitos graus Fharenheit e a cabeça começa a pensar em paraísos à beira mar. E em Lisboa tem-se a Costa ou o Guincho tão à mão…

Sair de NY não significa pôr de lado a excentricidade, o charme ou a originalidade.
Pegamos numa mala de fim-de-semana (que poderá já ter algumas roupas de recentes colecções do Bloomingdale's, do Sak's ou do Bergdorf Goodman), passamos por um deli para comprar sandes de tomate, mozzarella e pesto e entramos num Mustang encarnado descapotável, alugado num Rent-a-Car de West Village.
A viagem é feita no lusco-fusco de uma sexta-feira. Destino Hamptons!

Toda a gente tem curiosidade pelos Hamptons. Não vale a pena dizer que não faz o género… O imaginário dado pelos filmes ou mesmo pelos episódios do “Sex and the City” acenam-nos para longos areais atlânticos, lagos verdejantes, lagostas com champanhe e vislumbre de celebridades.
Independentemente de se seguir à risca as dicas dadas pelos actores de filmes ou de séries americanas, merece a pena um passeio à colónia de férias nova-iorquina que tem tanto de belo como de pretensioso.


Sábado

Acordámos de manhãzinha com vozes lá fora. Uns surfistas aproveitavam já as primeiras ondas da manhã. Abrimos a janela e uma brisa do mar invade o quarto. Uns quantos quarentões vestem os fatos de surf para enfrentarem a água gelada da Dich Plain Beach.
O quarto feito de madeira fica para trás enquanto avançamos pelo terraço do motel que nos leva até à praia. O “East Deck Motel” está plantado à beira da areia e encaixa na perfeição na cena de um filme dos anos 50.
O areal da praia de Dich Plain recebe pintores, fotógrafos, leitores e pescadores. A água está fria mas o dia está perfeito para banhos de sol, jogging e conversas na areia.

Montauk, onde fica o “East Deck Motel”, é uma localidade tipicamente americana – rua principal, drugstore, diners e pubs de um lado e do outro, bomba de gasolina, posto de turismo, uns quantos motéis e pouco mais. Não tem nada de interessante mas acaba por ser simpática dada a sua simplicidade e pacatez. Tem no ar um ambiente ultrapassado de certa província, o oposto de outras zonas mais sofisticadas dos Hamptons.

Fomos tomar o pequeno-almoço a um diner – o Plaza Restaurant. O ambiente da casa e frequência acenam para uma refeição bem calórica. Acabámos por seguir o menu virtual que médicos e sociedade civil fazem circular nos dias que correm – comer saudavelmente, não ter vida sedentária, etc., etc. e etc.
Fora de Nova Iorque vêem-se com frequência os enormes corpos fatigados do peso de que as notícias tanto lamentam, mas basta reparar nos menus e nas pessoas que nos rodeiam… Ficamos espantados com o volume das pessoas, com a dimensão das doses e com o que comem logo pela manhã – ovos, batatas fritas, bacon, regados com quantidades astronómicas de molhos de cocktail, mostarda e ketchup… Mas as famílias regalam-se com um ar tão feliz que são-lhes dadas todas as indulgências: trabalhámos durante a semana, é dia de descanso e de convívio familiar, celebremos com colesterol e gorduras saturadas!

Passámos pelo turismo a pedir informações. Porto, docas e farol de Montauk a não perder. Pensámos em alugar bicicletas mas tínhamos o nosso Mustang encarnado à nossa disposição. Afinal estávamos nos Hamptons e o mínimo era movermo-nos num descapotável!

Andar de descapotável dá-nos uma sensação de liberdade. Sentimos o sol na pele, os cabelos dançam com o vento e, de repente, somos uns miúdos à descoberta de uma praia secreta.
Seguimos em direcção a Sag Harbor.
A paisagem não podia ser mais luxuriante. Extensões de campos verdes, lagos aqui e ali, árvores em flor, canteiros impecavelmente arranjados e casas primorosamente conservadas. Tudo parece novo, acabado de construir e acabado de plantar. Nada está fora do sítio. A passarada parece ser a mais feliz de todos os países e a população a mais orgulhosa do seu sítio.


Dos Hamptons fazem parte as cidades de Bridgehampton, East Hampton, Southampton, Amagansett e Sag Harbor, uma vila calma e simpática que em tempos se dedicou à pesca da baleia.
Chegados a Sag Harbor procurávamos uma esplanada onde pudéssemos almoçar. Virámos as costas a um self-service vegetariano, snobámos o restaurante da marina e demos de caras com o “Dock House Restaurant”, um despretensioso café, manjedoura ou o que for, que serve sopas, pratos, saladas e sandes só à base de peixe e marisco. A espreitar a doca, está um balcão corrido onde as pessoas podem sentar-se a (verdadeiramente) deliciar-se com a refeição. Enquanto esperávamos pela lagosta e filete de salmão grelhado, comemos uma Clam Chowder, espécie de creme de marisco, cuja receita leva batata, cebola, alho, aipo, bacon, natas e uma mistura de moluscos. É servida com uns quantos torrões. Óptima!
Apesar da “matéria-prima” ser supostamente para refeições mais sofisticadas, o “Dock House” cozinha o marisco, peixe e moluscos de forma despachada mas saborosa, daí que se possa encomendar para fora uma lagosta para duas pessoas.
Chamaram o número da nossa senha. Pegámos no saco de papel reciclado e fomos almoçar para praia incerta!

A Norte de Sag Harbor apanhámos o ferry para Shelter Island. Tudo aqui é literalmente verde. Os campos são ainda mais imponentes embora as casas não sejam tão elaboradas ou tão apalaçadas como em East ou Southhampton.
Um pormenor mantém-se – Maseratis, Porsches, Ferraris, clássicos Mercedes cabriolets, Triunph Sptifires e outras relíquias do mercado automobilístico passeiam-se com ar glorioso pelas estradas dos Hamptons. Nós estávamos safos – tínhamos pelo menos um Mustang encarnado e ainda por cima descapotável!
Seguimos as indicações para a Down Shore Road e encontrámos o nosso lugar ao sol na Sunset Beach. Da ilha, talvez seja a zona mais descontraída e menos “barroca”. Aqui fica um outro motel com o mesmo nome cujo bar convida a beber um copo ao pôr-do-sol.

Assistir à passerelle no fim do dia em East Hampton é uma experiência sociológica. Manhattan está nos Hamptons a partir do “Memorial Day” (dia 28 de Maio) e, portanto, mesmo que se tenha saído de NY para descansar da cidade, nunca se se livra dos seus vícios e virtudes.
Bronzeados, cheirosos e fashionably dressed, os nova-iorquinos calcorreiam as lojas ainda abertas (é claro que as grandes marcas têm sucursal nos Hamptos!), tomam um cocktail colorido e ligeiramente alcoólico e petiscam os novos sabores frescos do Verão.
Quando se fala de férias nos “Hamptons” estão implícitos alguns códigos e determinados estilos de vida – tem que se ser bem sucedido (i.e. ter dinheiro ou amigos que o levem até lá) e encaixar num cenário minuciosamente estudado e elegante, pelo menos…
Como não estávamos de “acordo com o ambiente da casa” voltámos a Montauk para ver o pôr-do-sol e jantar uma bela caldeirada de peixe no “Dave’s”. Como não tínhamos feito reserva entretemo-nos no bar com vinho do “Novo Mundo”. Que saudades do vinho português…
Domingo

A intensidade dos raios de sol a entrar pela textura do tecido das cortinas deu-nos um acordar bem disposto.
Das duas casas de panquecas escolhemos a Anthony’s Pancake House para tomar o pequeno-almoço. Ao ver a ementa tivemos dificuldade em escolher. Panquecas com maple syrup, bagels com cream cheese, ovos com torradas ou french toast … Fizemos jus ao nome da casa e pedimos panquecas integrais com fruta, acompanhadas do clássico regular coffee (um “balde” de café com natas e açúcar).

A paisagem até ao Farol de Montauk é maravilhosa. Uns arbustos enrodilhados acompanham a estrada, avista-se o mar de quando em vez e, saudavelmente, alguns matutinos andam de bicicleta.
A praia ainda está deserta e ao passear tropeçamos em milhões de estrelas-do-mar já secas. Parecem-nos tão perfeitas que tentamos não pisar, em vão…

Neste país o património está tão bem conservado que talvez seja por isso que tudo tem um preço – pagáramos seis dólares para estacionar o carro, e pagaríamos o dobro para visitar o farol mas ficámo-nos por uma vista mais rasteira. Não tivemos a sorte de ver focas, o que pode acontecer, disse-nos alguém.

Espreguiçámo-nos pela praia comprida até à altura de nos pormos a caminho de NY.
Paragem obrigatória no “Clam Bar”, à saída de Montauk. Lagostas, clam chowder, camarões, etc. e etc. mas fomos para o mais básico – Hot Dogs (e ops!) com batatas fritas… e cerveja (opsss)!!!

Nova Iorque chama-nos de volta a casa.

Friday, May 11, 2007



Diário Aventura Solidária AMI
Senegal, 13 - 21 de Abril 2007


Dia 21 de Abril - último dia

O mercado de Dakar tem outra sofisticação, está claro. Trata-se de um edifício colonial ainda resquício do domínio francês de tempos idos. O nosso “protector” Malick levou-nos até lá.
O Malick é um homem sereno e de sorriso sincero que nos faz sentir bem. Inteligente e “sábio” pela idade que já tem (é-se considerado “sábio” a partir dos 40 anos, acompanhou-nos sempre ao longo destes dias. Conversa pausadamente quando nos explica e conta as belezas e angústias do Senegal.
Foi ele quem contactou a AMI para que esta chegasse até ao Senegal.

A meio da manhã apanhámos um ferry para Gorée, uma ilha que fica no largo da costa do Senegal, em frente a Dakar.
Também aqui a AMI tem uma mãozinha! Em 2005 recuperou uma capela, ainda marca de uma feitoria fundada pelos portugueses, no século XV.
Mas a razão da visita não era essa. Gorée, em 1978, foi classificada como Património da Humanidade e, infelizmente, é considerada símbolo da exploração humana.
Entre os séculos XV e XIX foi um centro de comércio de escravos, que depois da estadia dos portugueses, foi explorado por holandeses, ingleses e franceses.

Fizemos um passeio por entre as casas coloniais até à casa-museu dos escravos, a que resta em pé da daquela exploração na ilha.
Construída em 1776 pelos holandeses, a casa aprisionava entre 150 e 200 nativos de África que eram acorrentados e mantidos em celas por longos períodos, até que eram comprados e levados para a América.
A visita à casa é tudo menos agradável. É inevitável imaginar o que ali se passava, e por mais remota que seja a brutalidade, enquanto portugueses, é impossível não sentirmos alguma vergonha.

Deambulámos pelas ruas de Gorée. É fácil dar-se a volta à ilha pela sua pequena dimensão. As ruas são simpáticas e coloridas. Percorremos os caminhos envoltos em degradação e nobreza. As casas são elegantes mas muitas não estão conservadas. Não deixa de ter o seu charme.

Queimávamos os últimos cartuchos com conversas de fim de luz.
Afeiçoáramo-nos uns aos outros, e pela intensidade da missão era impossível não existir harmonia entre todos.
Pelo destino em si, era pouco provável que a primeira viagem piloto não corresse bem. Mas a disponibilidade da equipa e a participação das pessoas no projecto tornaram esta missão ainda mais inesquecível.

O nosso trabalho de voluntariado foi a grande experiência – é formidável contribuir e deixar alguma coisa feita para pessoas que precisam.
Nit Nit Ay Garaban - O homem é o remédio do homem.

Nessa noite regressámos a Lisboa.

Dia 20 de Abril


Tomámos um pequeno-almoço saudoso em Réfane. A nossa estadia na aldeia estava terminada. Às 9h00 partimos com destino ao Lago Rosa. Deve-se este nome ao tom rosáceo da água – a presença de microrganismos e a forte concentração de sal conferem-lhe a cor rosa, que dependendo dos raios de sol é mais ou menos intensa. Na zona, para além do turismo, a população dedica-se à extracção do sal. A paisagem não podia ser mais curiosa e conforme nos aproximávamos da zona de extracção, ía ficando mais insólita. Em pirogas, os homens arrancam o sal do fundo de águas rosadas e as mulheres, vagarosamente, fazem o percurso entre as embarcações e a margem para recolher e depositar o mineral. São extraídos 380 gramas de sal por cada litro de água. Quem não comprara lembranças para Lisboa pôde fazê-lo ali. Os vendedores de artesanato assediaram-nos de tal forma que foi difícil resistir e ficar de mãos vazias! Almoçámos uma Yassa, mas nada que se parecesse com as iguarias da nossa Djor… Em compensação, desforrámo-nos da abstinência alcoólica – bebemos cerveja ao fim de sete dias!!! A meio da tarde zarpámos para Dakar. Da paz do campo fomos para o inferno da cidade… O trânsito da capital é mesmo caótico. As estradas até podem existir, o que não significa que o “senhor que se segue” respeite a ordem. Vale tudo: esquerda, direita, passeios de terra batida… Chega mais rápido quem for mais hábil. Em Dakar visitámos Yoff. Este bairro da capital acolhe um centro de saúde construído com a ajuda da AMI, em parceria com a APROSOR, Association pour la Promotion Sociale en Milieu Rural et Urbain, ONG que o Malick dirige. Sentimos mais a pobreza na cidade e apercebemo-nos de que as pessoas têm mais dificuldade em remediá-la. Valham a AMI e a APROSOR à população local. A praia de Yoff é maravilhosa. Outrora destino de Verão de franceses, está hoje transformada em centro piscatório e mercado de peixe fresco e seco. Foi estranho passear pela praia. Nós associamos a praia a lazer, descanso, sol e pureza, mas ali era o contrário… A praia é local de trabalho, comércio e depósito de lixo. Contudo não deixa de ter uma certa beleza desconcertante.


Dia 19 de Abril

Aqui a terra tem um preço irrisório. As palhotas ou casas de pobre cimento crescem ao sabor da vontade da gente de Réfane. Urbanismo e saneamento básico são coisas que não existem.
Por isso sentimos uma certa tristeza quando percorremos as ruas de terra da aldeia para chegarmos ao CPMR. Os plásticos caem onde lhes apetece, as embalagens rolam para onde calha e os montes de desperdícios vão-se formando sem a ajuda da mão do homem.
A bicharada anda por ali – cabras, galos e galinhas respigam o que de comestível resta na rua.

Nesta manhã inaugurámos o Centro de Promoção da Mulher Rural. Foi fantástico ver o quanto as mulheres apreciaram o trabalho feito. Foi reconfortante apercebermo-nos da mais valia que lhes levámos. E que nos custou tão pouco…
A quantidade de crianças é enorme. Também aqui nascem pelo menos 30 bebés por mês. Pode-se imaginar a animação desta terra!
Pela tarde, um grupo de alunos preparou um sarau teatral para a nossa despedida. A peça de teatro foi encenada em francês, só assim perceptível por nós.
Ouvimos a história de duas meias-irmãs. Uma boa aluna e outra menos prudente, mas mais protegida pela actual mulher do pai comum. A boa aluna recebe uma bolsa de estudo e a outra engravida e tem que abandonar os estudos.
É engraçado imaginar que argumento escreveriam os alunos de uma escola de Lisboa e compará-lo ao que aqui assistimos. Que pontos comuns haveria?



Dia 18 de Abril

A manhã no CPMR foi mais ligeira. Só faltava pintar as portas e janelas enquanto o Antoine e dois assistentes rematavam o chão da casa.
Quarta-feira é dia de mercado em Réfane o que animou bastante as nossas andanças pela aldeia.
Terminada a pintura fomos assistir à preparação do prato nacional do Senegal, a Thiéboudienne, que significa arroz de peixe. Para além destes ingredientes leva beringela, pepino, pimento, batata, inhame, cenoura, tomate, limão, peixe e marisco seco.
O Cozido à Portuguesa tem algo de semelhante embora não tenha nem metade do gosto desta iguaria. O concentrado de tomate, o sabor do limão e as especiarias que condimentam a Thiéboudienne dão um gosto quente e forte, muito africano.

O calor seco desta África não ajudou muito a ultrapassar a preguiça pós almoço. Com algum custo arrastámo-nos para dentro da carrinha para irmos até Touba.
Aqui se encontra a maior mesquita do Senegal, o principal santuário para os seguidores do Muridismo a vertente do Islão que predomina no País. O Muridismo representa a confraria principal e originária do Senegal, mais especificamente do povo Wolof.
A viagem seria de duas horas mas pelo caminho parámos em Ndem, uma aldeia de interior que explora um centro de comércio justo.

Não nos sentimos muito seduzidos pelos objectos ditos “justos”. O feitiço virou-se contra o feiticeiro – os preços das coisas não eram os mais justos aos nossos olhos.
Comprámos umas pulseiras coloridas feitas pelas raparigas da escola. Cada uma valia uma refeição – 1 euro ou 600 francos senegaleses.

Percorríamos um caminho pelo interior do Senegal bordeado de paisagem árida e rural.
Não percebíamos muito bem se chegava a ser bela dada a desolação dos campos. Extensões e extensões de terra seca, salpicadas de quando em vez de algumas árvores e muitas casas em meio de construção.
Só quando passamos por zonas de baobás (ou embondeiros) somos encantados pelo lirismo e expressão destas árvores. A história do Principezinho ajuda-nos a atribuir-lhe uma certa magia mas a verdade é que o seu porte imponente e milenar confere-lhe uma característica solene, se é que isso é possível numa árvore…
Mas bom, por alguma razão o baobá é o símbolo nacional do Senegal.

A cidade de Touba está localizada no centro do Senegal. Em Árabe, “tûbâ” significa felicidade, bem-aventurança ou beatitude.
Para os seguidores do Muridismo, Touba é um lugar sagrado. Estão proibidas na cidade actividades consideradas ilícitas e frívolas, como beber álcool, fumar, jogar jogos, tocar música e dançar.
A mesquita da cidade, completada em 1963, atrai cerca de 2 milhões de pessoas aquando da peregrinação “Grand Magal".

Para visitarmos a mesquita tivemos que mascarar as nossas roupas ocidentais. Os homens sabiam de antemão que não podiam usar calções, mas as voluntárias, embora prevenidas com lenços na cabeça, tiveram que disfarçar as calças que vestiam.
A visita à mesquita não foi muito proveitosa. Quando alguém tirava uma fotografia um zelador de Touba caiu-nos em cima… Para que não houvesse complicações, fomo-nos embora. Estava vista apesar do incidente a meio do passeio.



Dia 17 de Abril

As alvoradas vão sendo cada vez mais deliciosas. O vento matinal e as conversas das crianças no recreio da escola acordam-nos para outro dia de trabalho. Falta o amarelo final na fachada do centro.

Estamos especialmente bem dispostos. A manhã está fresca, e a sensação de ver o trabalho a ser cumprido dá-nos um prazer especial.
Participarmos nesta primeira aventura solidária ajuda-nos a reduzir o nosso estar às coisas mais essenciais – vivermos em harmonia com os outros, participarmos na vida dos outros e contribuir com algo nosso.
As condições da estadia são simples mas apesar da ausência de luxos, nada nos falta. Viver em comunidade – somos 12 a partir de hoje com a chegada do Fernando Nobre – durante 10 dias, torna-se um teste à nossa generosidade e tolerância.

O Fernando Nobre juntou-se ao grupo. Sendo esta a viagem piloto, impunha-se assistir ao sucesso do novo projecto.
A pretexto da chegada do Fernando e em forma de agradecimento pela ajuda da missão, as mulheres da aldeia ofereceram-nos fatos tradicionais costurados por elas. O nosso trabalho era-lhes dedicado: com o Centro de Promoção da Mulher Rural operacional as mulheres da aldeia poderão contribuir para o orçamento familiar.
Estávamos então vestidos a rigor para assistir às cerimónias da tarde.

A sombra das árvores da escola serve de abrigo aos saraus preparados pela população de Réfane, como se de um rossio se tratasse.
A dança que assistimos nessa tarde pedia a protecção na época das colheitas. Em jeito de teatro, as mulheres vão-se chegando ao centro, e através da sua dança sacralizam o seu pedido.
À volta, as restantes mulheres cantam enquanto o percussionista marca o ritmo.


Mais tarde protagonizaram os homens da aldeia com uma competição de Lamb.
Durante a luta assistimos a uma competição de beleza para além da força. Vemos passar corpos esbeltos e caras bem desenhadas, e damos conta do sentido estético do povo senegalês.
Fogem-nos, com certeza, alguns códigos destes rituais mas é evidente que a competição dá azo a outros jogos entre homens e mulheres. As raparigas aperaltam-se para envergonhadamente torcer pelo seu herói, e as mulheres envergam orgulhosamente fatos elaborados e de cores garridas.
Na cultura muçulmana não há contacto físico em público mas há outras formas de demonstrar a interesse pelo outro – a simples oferta de um lenço feminino ou a vitória de uma luta pode suscitar o enamoramento.

As celebrações continuaram à noite. Era o dia de anos de uma das aventureiras, de certo um dos aniversários mais originais da sua vida até então.
O António Sequeira conseguiu invadir o território feminino e fez uma tarte de limão como bolo de anos da Teresa. A Dior até então proibia a entrada de homens na cozinha!
O José Luís e a Luísa, da sua ida a Dakar, trouxeram ainda de sobremesa alguns bolos da pastelaria local.
Houve direito a espumante, embora estivéssemos num país muçulmano. Já não bebíamos álcool há bastantes dias…



Dia 16 de Abril

O despertar de hoje foi bem mais simpático. A passarada poisa cedo nas acácias que circundam a casa.
Todas as manhãs alguém da equipa fica incumbido de ir comprar o pão. Na padaria, que também é drogaria e mercearia, reparámos que os produtos se vendem em porções pequenas. Tudo é doseado e comprado só se necessário. Mais um sinal dos escassos recursos neste canto do mundo.

A manhã estava mais fresca o que nos ajudou a adiantar bastante a pintura no exterior do CPMR. O interior ficou acabado e demos a primeira de mão de amarelo nas paredes lá de fora.
Os miúdos já decoraram os nossos nomes. Chamam-nos vezes sem conta a pedir conversa!

Ainda demos uma ajudinha no almoço. Amanhámos e cortámos o peixe que foi frito para o almoço!
Aqui habituamo-nos a fazer tudo com poucos recursos e condições simples. Os alguidares são postos no chão, nas pernas põe-se um pano, e enquanto que com uma mão se enxotam as moscas, com a outra continua-se a tarefa. A cozinha é pequena e portanto as refeições começam a ser preparadas no alpendre.
A verdade é que não falta nem sabor aos cozinhados nem boa disposição à mesa!

Nada estava planeado para essa tarde e portanto cada aventureiro solidário gozou Réfane como bem lhe entendeu.
Uns foram fazer toalhas e fatos senegaleses, outros passearem de charrete e outros desapareceram por ali…



Dia 15 de Abril

Alvorada forçada às 06.00 da manhã. Um galo que andava em redor das nossas tendas fez questão de nos dar os bons dias – e assinou a sua sentença de morte.
A fila para a casa de banho chega à porta da rua… Somos 11 pessoas a partilhar uma casa de banho!
Reunimo-nos à mesa do pequeno-almoço. Sobre a mesa há baguetes gigantes de uma padaria local, compotas de alperce, ameixa e bissap (flor rosa escura da qual também se faz chá), manteiga e queijo “importados”, leite em pó e café português!


A pintura do CPMR é dirigida pelo Antoine. Este senegalês estava feliz com tanta gente para comandar.
Na primeira manhã demos a primeira de mão no interior do centro. O Antoine compôs o azul que ficara definido e distribuiu o pessoal pela sala.

A pintura do edifício causou sensação. Os mirones eram mais que muitos.
Mais á vontade, as crianças espreitavam pelas janelas. Num misto de Francês e Wolof, duas das línguas oficiais do Senegal, perguntavam pelos nossos nomes. Nós retribuíamos a pergunta e tentávamos memorizar os nomes dos miúdos. Impossível… Eram muitos e esquisitos demais para nos lembrarmos!

Acabámos de trabalhar por volta da 1h00. O calor começa a apertar e torna-se insuportável continuar.
Nessa tarde fomos a Reo-Mao, outra aldeia onde a AMI ajudou a fundar um centro de saúde.
Aqui nasce, em média, uma criança por dia.

Neste dia houve luta Lamb em Reo Mao. Esta luta tem como objectivo derrubar o adversário de modo a que este fique estendido de braços e pernas no chão. Os competidores sucedem-se segundo a altura e peso. As tácticas passam por agarrar braços, pernas e a tanga que vestem. Um dos tipos de luta permite ainda que se bata no adversário, excepto no coração e nariz.
Assistir à competição implica ver os rituais de fetiches e bênçãos do campo e lutadores. Pisam-se sementes, espalham-se águas benzidas e dança-se. Invoca-se a sorte e roga-se pelo azar do outro.
As cerimónias podem durar cerca de uma hora e meia. Os combates desde segundos a 15 minutos.
Nós estávamos espantados com a força daqueles corpos. Os músculos parecem esculpidos e “excesso de peso” é coisa que não se avista. Nesta terra não há vida sedentária…

É uma maravilha chegar a casa e sermos recebidos pela Dior. Hoje preparou-nos para o jantar o nosso galo despertador.
A calmaria reina nas noites de Réfane. A temperatura é amena e sabe-nos bem sentir na cara o vento que roça também nas árvores. Conversamos á luz das estrelas e como som de fundo temos os cantos de oração na mesquita.



Dia 14 de Abril



A partida atrasada para Réfane deveu-se a um choque traseiro na nossa camioneta, provavelmente resultado da condução “salve-se quem puder” tipicamente senegalesa. Partimos então. A estrada rudimentar que nos levava ao nosso destino entretinha-nos de mil maneiras – o trânsito empatava; abordavam-nos vendedores ambulantes de cajus, óculos de sol ditos “de marca” e cintos a imitar cabedal; pasmávamos com os autocarros em avançado estado de decomposição mas carregados de gente; e sorriamos com a publicidade ingénua do comércio local. Antes de chegar a Réfane visitámos o maior mercado do Senegal, Touba Toul, local onde talvez tenhamos sentido, pela primeira vez, o prazer da novidade: o que se vende, como se negocia e quem o faz. As bancas toscas feitas de paus e zinco acolhem os comerciantes, ora tímidos, ora curiosos da nossa presença. Vendem alimentos frescos e secos, panelas e caldeirões de ferro, tecidos tradicionais, cabaças, drogarias fora de prazo, sapatos em segunda mão, especiarias coloridas, cabras, bodes e burros … Chegámos a Réfane, aldeia situada na região de Thiés, a duas horas de Dakar. Ficaríamos aqui durante seis dias para ajudarmos na limpeza e pintura do Centro de Promoção da Mulher Rural Luísa Nemésio. As boas vindas foram desde logo dadas com um almoço senegalês cozinhado pela Dior, a nossa chef! Esta risonha mulher ofereceu-nos Yassa, prato feito de galinha ou peixe, com estufado de cebola e acompanhado de arroz, originário da Casamança, outra região do Senegal. Fomos cumprimentar a população que nos saudou com danças. A música e dança estão sempre presentes e fazem parte da vida quotidiana do Senegal. Têm sobretudo um carácter sagrado e podem celebrar um nascimento, um casamento, a morte ou as colheitas. As mulheres sucediam-se numa dança frenética e ritmada ao som de instrumentos de percussão. Entravam primeiro as mais velhas e só depois as mais novas. A beleza dos fatos das mulheres que dançavam, feitos de tecidos Wax (indústria têxtil senegalesa), distraíam os nossos olhos com tanta cor. Não havia um tecido repetido. Enquanto espantávamos com a dança, mil olhos brilhantes observavam-nos com curiosidade. Não é todos os dias que Réfane recebe visitas. O chefe da aldeia, a representante das mulheres do Centro de Promoção da Mulher Rural (CPMR) e o representante dos jovens multiplicaram-se em palavras generosas de boas-vindas ao grupo e à AMI. Fomos visitar o Centro e ver que trabalhos nos esperavam nos próximos dias. Ainda antes do jantar fizemos o reconhecimento de parte da aldeia. Nesta terra é impossível sentirmo-nos sozinhos. Há sempre gente na próxima esquina que nos saúda ou crianças que brincam em grupo pelas ruas. Regressámos já de noite ao nosso “hotel de mil estrelas”, expressão utilizada pelo Fernando Nobre aquando das suas estadias ao relento durante as missões. Não há céu mais estrelado do que o de África…



Nit Nit Ay Garaban - O homem é o remédio do homem.



Dia 13 de Abril

Já no aeroporto de Lisboa reparámos na animação das cores senegalesas – desfilavam já alguns bousbous (trajes tradicionais) ao lado de vestes europeias.
Entrámos no avião com alguns sorrisos curiosos causados pela bagagem de mão de alguns passageiros senegaleses: rádios, sacos de mercadorias, malas Louis Vuitton de contrafacção que atolavam as cabines e invadiam o lugar do vizinho do lado...
Aterrámos em Dakar onde dormimos a primeira noite.