Wednesday, June 25, 2008

SINGULARIDADES DE UM DIA EM NOVA IORQUE

Deito-me por volta da meia noite, e se é Verão, abro a porta da minha mesa de cabeceira e ponho os tampões nos ouvidos antes de me deitar. É sexta-feira e portanto os “Bridge and Tunnel” vieram passear-se à cidade. Ouço-lhes as conversas destorcidas “em alta voz” depois de umas goladas de álcool num bar algures. Passam na rua em direcção ao Path que os levará de volta a New Jersey. Ide, ide. Remato o principio do sono com a almofada em cima da cabeça e, embora irritada, acho que até dos gays e travestis da minha rua terei saudades. São também eles que provocam as minhas furias de sexta e sábado à noite quando tento adormecer e não consigo por causa dos berros hilariantes que dão. É fim de semana e o calor húmido nocturno mexe-lhes com as hormonas. Estão à porta do “Christopher Golden Wok”, buraco de higiene duvidosa, onde o chef da Singapura alimenta pela noite fora as aves raras da Christopher Street. As vozes masculinas efeminizadas roçam-se e seduzem-se umas às outras mesmo ao lado da digna St. Veronica’s Church...

O pequeno almoço é igual ao português - acrescentado o sumo de laranja Tropicana com “extra polpe” que é uma delicia, ao contrário dos insípidos Special K americanos (são feitos de arroz em vez de trigo, como são os portugueses).
Fiz questão de ir mantendo as minhas reservas de café português durante estes tempos por cá. Não que não se arranje uma bica razoável na cidade (já cá chegaram os expressos italianos) mas para o pequeno almoço faço questão de ter na chávena o lote “Bar” da Cafélia, na Avenida de Roma. Dispenso 10 minutos para os cereais + café e outros 30 no viciante New York Times que a partir de 4ª feira vai ficando ainda mais interessante: Dining Out, Thursdays Stlyles, Weekend Arts, Arts and Leisure e Travel - quarta, quinta, sexta, sábado e domingo, respectivamente.

Se é dia útil às 10 estou na Engel Entertainment a disputar as missões da produtora com os outros estagiários de 20 aninhos – quando não se tem visto de trabalho é assim…
O estágio acaba às 6 da tarde e até entrar no metro enfrento a clientela desenfreada das promoções permanentes do Macy’s e das lojas popularuchas na 34th Street.
Ai o metro no Verão… que suplício de calor.
Habituei-me à Christopher Street. Tenho que atravessá-la no meu percurso entre casa e trabalho. As lojas de indecências e os gays nas montras dos bares em conversas de arco-íris já não me impressionam. Inclusivamente já reconheço as caras de alguns. Parecem-se todos com macho men mas não são.
É no fim da rua que fica o meu Nails Spa - o Blue Sky Nails Salon tornou-se programa certo no meu regresso a casa, semana sim, semana não.

Fiquei fanática das unhas pintadas. Se era coisa rara em Portugal em Nova Iorque é ritual certo.
“How are you today?”, “Please, choose the color” ouço mal entro e entrego-me incondicionalmente às mãozinhas de uma asiática. É óptimo - em 20 minutos estou despachada com as mãos massajadas, com a unha colorida, seca (bem-ditos secadores!) e perfeita - o serviço é pago a meio, antes do verniz ser colocado, não vá haver risco de se borrar a pintura. Se fosse empreendedora era negócio que levaria para Portugal.

É hora de ponta no prédio. A partir das 6h começam a chegar os mexicanos com as “deliveries” para os nossos vizinhos. Até ao meu quinto andar, pelo cheiro no elevador, tento adivinhar o que vai ser o jantar de fulano ou sicrano – pizza, chinesices e outros que tais são os aromas mais frequentes. Devemos ser dos poucos no prédio (10 andares com 60 apartamentos cada um) que cozinha quatro a cinco jantares por semana. “A energia da cidade está na rua” alguém nos disse ainda não estavamos cá a viver. Os nova-iorquinos perdem pouco tempo em casa – as horas de trabalho são intensas, um copo com amigos é frequente e se não ficam para jantar encomendam comida chinesa, vietnamita ou tailandesa que inclui pratos e talheres de plástico para evitar a chatice de lavar loiça.

Se é inverno os filmes do Netflix salvam-me do bombardeamento de reality shows na televisão americana: Project Runway, Make Me a Super Model, Miss Rap Supreme, Real House Wives, Top Chef, Step it Up, Shear Genius, Bed Girls Club (confesso que vi alguns deles - mas sempre com um certo peso na consciência…). Escolho os filmes pela internet e os DVDs (três de cada vez) chegam pelo correio sem eu ter a chatice de sair de casa. Os clássicos estão lá todos, documentários e as ultimas novidades - até o dinossauro do Manoel de Oliveira posso ver em casa.

Entretanto jantámos frango biológico estufado com gengibre e courgettes, acompanhado de couscous. O frango e o couscous são do Fresh Direct, um serviço on-line que entrega mantimentos em casa. As verduras são do Chelsea Market.
Salvam-nos dos carregos estes serviços da internet – para quê ter carro e pagar centenas de dólares por mês por um parque na cidade?
Já o Chelsea Market salva-me dos preços exagerados do D’Agostino, o super-mercado na esquina do prédio.
Faço algum esforço para cozinhar diariamente. A tarefa flui melhor se tiver uma Budweiser a acompanhar-me. Gostava de ter vinho português mas é luxo a que nos permitimos em ocasiões mais especiais.
Até estava bom o jantar.

Já passa da meia noite.

Que saudades que eu vou ter disto tudo.

GOING AROUND